12 de jan. de 2011

Haja criatividade administrativa


Está mais claro, inclusive aos leigos, o quanto o governo brasileiro continua dormindo no ponto ao definir a queda do dólar apenas como guerra cambial, como um jogo do Banco Central Americano (FED) para revitalizar a economia dos EUA, que ainda anda em slow motion.
O sono, evidenciado por Guido Mantega, se estende há tempo, mas continuou mesmo com a crise financeira disparada em 2008. Até então, o momento econômico internacional era esplêndido e permitia que a rede, onde repousavam todos os ministros de Lula, balançasse ao vento da “criatividade administrativa”, sem que as vozes dissonantes do mercado os perturbassem.


Com a crise, o ministro da Fazenda, ainda sem pisar na realidade, conseguiu minimizar o choque da falta de liquidez na economia com abertura do cofre da viúva. O estado contratou à beça e inchou ainda mais sua estrutura, facilitou o crediário sem cerimônia, incentivando o consumo, reduziu tributos em setores considerados estratégicos, facilitou a transferência de renda via Bolsa Família e venceu.

Ou melhor. A gastança descontrolada sob a guarda do governo manteve o mercado interno aquecido, o que deu a sensação de estabilidade e solidez, mesmo com o mundo em colapso. A maioria dos brasileiros acreditou nisso e depositou em Lula a confiança. O ex-presidente, mais do que depressa, transferiu a Dilma essa herança, que agora mostra sua verdadeira natureza.

O empresário da indústria de exportação vem de tempo afirmando que o país perde competitividade externa por infinitos motivos. Sendo a maioria deles por falta de ação do governo: infraestrutura precária, juro alto, dinheiro para financiamento caríssimo e falta de uma política para conter o avanço chinês. Lula não investiu o mínimo necessário para reduzir o que se convencionou chamar de Custo Brasil, que incorpora, além da reforma administrativa do estado, a reforma tributária, trabalhista, política, educacional e previdenciária.

Durante os oito anos, que se encerraram com a chegada de Dilma ao poder, se viu apenas um governo triunfalista, cantando sua graça e ironizando quem o criticava. Enquanto Guido Mantega repousava na rede da “criatividade administrativa” e Henrique Meireles, então presidente do Banco Central, fazia ouvido mouco, puxando os juros para cima ou para baixo sempre que necessário. Sem nunca apontar a falta de compostura do governo.

Agora estamos diante de uma inflação crescente, de um setor exportador que perde gravemente sua capacidade de competir, devido, inclusive, à queda do dólar. Vale lembrar que a desvalorização da moeda americana vem sendo fomentada pelo próprio governo brasileiro, que precisa elevar o juro para conter a inflação. Isso atrai ainda mais capital especulativo ao país, porque todo mundo quer ganhar dinheiro fácil. Dinheiro que o governo precisa para pagar sua dívida interna.

Esse movimento coloca álcool na fogueira do câmbio, ao invés de apagá-lo. Mas o discurso do governo continua sendo o mesmo: “Está havendo uma guerra cambial”. Mantega, inclusive, se diz disposto a acionar a Organização Mundial do Comércio contra os EUA, com o argumento de que a enxurrada de dinheiro que está sendo emitido para estimular a economia americana fosse uma forma disfarçada de subsídio, o que estaria, segundo ele, comprometendo nossa capacidade competitiva lá fora.

Estamos diante de uma meia verdade, que está sendo usada para escamotear o X da questão, que é a inatividade do governo para investir pesado no Custo Brasil. Claro que há um front, onde atuam o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central. Mas até esse front está mal desenhado pelo governo, por haver desencontro entre as duas pastas, que se baseiam em teorias econômicas diferentes. Por isso guerreiam contra inimigos diferentes. Mas este seria assunto para outro artigo.

O fato é que se perderam oito anos para se fazer alguma coisa relevante e garantir a competitividade da indústria brasileira. Agora o governo inventa um novo discurso, com base em um inimigo imaginário. Haja criatividade para administrar um país em que seus administradores fogem da responsabilidade, como quem dorme em berço esplêndido. A falta de respeito aos fatos tem tudo para dar em crise ainda mais séria.

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